O Que é Umbanda Definição, Origem e História

Definir a Umbanda é mergulhar em um universo de paradoxos e sínteses. Em sua essência, é uma religião genuinamente brasileira, um amálgama cultural que reflete a própria formação da nação. Não se trata de uma simples mistura, mas de uma criativa e complexa reinterpretação de múltiplas correntes espirituais. Suas raízes se entrelaçam, absorvendo a reverência à natureza e aos espíritos das tradições indígenas (como a Pajelança e a Jurema), a rica estrutura teológica dos Orixás e a magia ancestral das tradições africanas, a organização da prática mediúnica do Espiritismo Kardecista e a ética e iconografia do Catolicismo popular.

Apesar dessa complexidade, um princípio fundamental unifica suas diversas manifestações: “a manifestação do espírito para a caridade”. Esta máxima, proferida em sua fundação pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, é a pedra angular da ética umbandista. A caridade se materializa nos terreiros através da incorporação de entidades espirituais, ou guias, que oferecem orientação, passes energéticos e auxílio espiritual de forma gratuita. A diretriz é clara: “Com os espíritos mais evoluídos aprenderemos. Aos mais atrasados ensinaremos. E a nenhum renegaremos”.

Teologicamente, a Umbanda estrutura-se como uma religião monoteísta. Crê-se em um Deus único e supremo, o Criador de tudo, mais comumente chamado de Olorum, mas também conhecido por outros nomes como Zambi ou Tupã. Os Orixás, figuras centrais no culto, não são deuses de um panteão politeísta, mas sim manifestações divinas, qualidades, ou “Tronos de Deus”. São os mistérios vivos do Criador que governam as forças da natureza e os aspectos da existência humana, permitindo a veneração de múltiplos poderes divinos dentro de uma moldura monoteísta.

É impossível, contudo, falar de “uma” Umbanda. Desde seu início, a religião é marcada por uma pluralidade intrínseca. Existem inúmeras vertentes, ou “escolas”, como a Umbanda Branca, Esotérica, Omolocô, Cruzada e a Umbanda Sagrada, cada uma com suas particularidades rituais e doutrinárias. Essa diversidade não é um sinal de fratura, mas a prova de sua natureza adaptativa e da liberdade de interpretação que caracteriza seu desenvolvimento, um processo que continua em evolução, guiado sutilmente por seus mentores espirituais. A identidade da Umbanda reside precisamente nesta tensão dinâmica: é, ao mesmo tempo, uma única religião unida pelo pilar da caridade e um movimento plural que abrange um vasto espectro de crenças e práticas. Compreender este paradoxo é o primeiro passo para compreender a Umbanda em sua totalidade.

A Gênese da Umbanda: Entre a História e o Mito

A origem da Umbanda é contada através de duas narrativas principais que, longe de se excluírem, complementam-se, revelando a dupla identidade da religião: uma firmemente ancorada na história social brasileira e outra que se projeta em uma cosmologia esotérica e atemporal.

O Marco Histórico: A Anunciação de 5 de Novembro de 908

A história oficial e mais difundida da Umbanda começa em Niterói, Rio de Janeiro. Em 5 de novembro de 908, um jovem de 7 anos, Zélio Fernandino de Moraes, que sofria de distúrbios mediúnicos, foi levado a uma sessão na Federação Espírita. Durante os trabalhos, ele manifestou uma entidade que se apresentou de forma altiva e segura. Questionado, o espírito identificou-se como Caboclo das Sete Encruzilhadas.

O evento foi um ato de ruptura. O Espiritismo da época, com forte viés elitista, não aceitava a comunicação de espíritos de indígenas, ex-escravos ou mestiços, considerando-os “atrasados” e inadequados para suas sessões de estudo. O Caboclo foi, portanto, convidado a se retirar. Em resposta, ele anunciou que, no dia seguinte, 6 de novembro, na casa de Zélio, fundaria um novo culto onde esses espíritos teriam voz e poderiam praticar a caridade. Assim foi feito. Na data marcada, diante de curiosos e necessitados, o Caboclo das Sete Encruzilhadas declarou fundada a Umbanda. Logo após sua manifestação, incorporou também o primeiro Preto-Velho, Pai Antônio, selando o caráter inclusivo e social da nova religião. Este evento situa a Umbanda como uma resposta direta às necessidades espirituais e sociais de um Brasil que marginalizava as heranças espirituais de seus povos formadores.

A Perspectiva Esotérica: A Proto-Síntese Cósmica

Em contraste com a narrativa histórica, uma vertente esotérica, notavelmente articulada por F. Rivas Neto (Mestre Arhapiagha), propõe uma origem muito mais antiga e universal. Nesta visão, a Umbanda é a manifestação moderna de uma sabedoria primordial e universal chamada “Aumbandan”, ou a “Proto-Síntese Cósmica”. Esta tradição teria se originado em um tempo mítico com uma “Raça Vermelha” no solo sagrado do Brasil (Baratzil), espalhando-se por civilizações como Egito e Índia, antes de ser fragmentada e quase perdida ao longo dos milênios.

Dentro desta cosmologia, o evento de 908 não é visto como uma criação, mas como uma fase crucial do “Movimento Umbandista”, um esforço orquestrado pelo plano astral superior para restaurar essa síntese perdida para a humanidade. Esta perspectiva eleva a Umbanda de uma religião brasileira para uma missão espiritual de alcance planetário.

A Expansão e a Diversificação Pós-Fundação

Inicialmente, o crescimento da Umbanda foi contido, com Zélio e o Caboclo das Sete Encruzilhadas autorizando a abertura de poucas tendas. Contudo, a partir da década de 940, uma pressão interna por mais sacerdotes levou a uma abertura na formação, resultando em uma “explosão” de novos terreiros por todo o Brasil. Esse crescimento rápido e descentralizado ocorreu à revelia do núcleo original, que perdeu o controle sobre o movimento. Foi nesse período que surgiram as diversas “escolas” (Umbanda Mista, Omolocô, Esotérica, etc.), cada uma desenvolvendo rituais e doutrinas próprias ao incorporar diferentes influências e interpretações. Este processo histórico é a chave para entender a imensa diversidade que caracteriza a Umbanda hoje.

As duas narrativas de origem, a histórica e a mítica, não representam apenas um debate sobre o passado, mas uma escolha teológica que define a orientação de um terreiro. A história de 908 ancora a religião na identidade brasileira e na luta por justiça social. A cosmologia da Proto-Síntese confere-lhe uma autoridade ancestral e uma estrutura filosófica universal. Muitos umbandistas hoje, de forma consciente ou não, sintetizam ambas as visões, entendendo sua fé como uma religião do povo, nascida da resistência histórica, e, simultaneamente, como uma profunda escola de mistérios com uma missão cósmica.

A Teogonia Umbandista: Os Sagrados Orixás e as Sete Linhas

A estrutura teológica da Umbanda é um de seus aspectos mais ricos e sofisticados, centrada no conceito dos Orixás como manifestações divinas e organizada pela doutrina fundamental das Sete Linhas.

O Conceito de Orixá: Manifestações do Deus Único

Diferente de algumas religiões de matriz africana, na Umbanda os Orixás não são vistos como um panteão de deuses distintos. Eles são compreendidos como poderes divinos, qualidades, emanações ou “Tronos” do Deus único e Criador, Olorum. São os “mistérios vivos de Deus”, personificados de forma que a mente humana possa compreendê-los e cultuá-los. Esta é uma distinção teológica crucial, que enquadra o culto aos Orixás dentro de uma base firmemente monoteísta.

Para explicar a natureza específica dos Orixás cultuados no Brasil, surge o conceito de “encantados”. Segundo essa visão, as forças cultuadas na Umbanda não são as mesmas divindades africanas, mas espíritos ou energias nativas do plano espiritual brasileiro que atuam na mesma frequência vibratória e carregam os mesmos atributos arquetípicos, tendo adotado os nomes dos Orixás para se manifestarem.

O Fundamento do Setenário Sagrado

Uma das mais completas estruturas teológicas da Umbanda moderna é a doutrina do Setenário Sagrado, desenvolvida extensivamente por Rubens Saraceni. Este sistema postula que a criação divina se manifesta através de sete “essências” ou “vibrações” fundamentais. Elas são os blocos de construção da realidade e os sete “sentidos da vida” através dos quais Deus atua e os seres evoluem. As sete essências sagradas são:

, Amor, Conhecimento, Justiça, Lei, Evolução e Geração.

As Sete Linhas de Umbanda: A Estrutura do Divino

As Sete Linhas de Umbanda são a manifestação direta do Setenário Sagrado. Cada Linha é uma “linha de força” divina, regida por um par de Orixás que atuam como regentes daquela essência. Tipicamente, um Orixá é o polo irradiador (ativo, masculino, positivo) e o outro é o polo absorvedor (passivo, feminino, negativo), criando um sistema dualista e equilibrado. Por exemplo, na teologia da Umbanda Sagrada:

  • A Linha da Fé é regida por Oxalá (irradiador da fé) e Oyá-Tempo/Logunan (absorvedora dos desvios da fé).
  • A Linha do Amor é regida por Oxum (irradiadora do amor e da concepção) e Oxumaré (renovador do amor).
  • A Linha do Conhecimento é regida por Oxóssi (irradiador do conhecimento e da busca) e Obá (concentradora do conhecimento).

Esta estrutura organiza todo o panteão de forma lógica e coesa. A evolução deste conceito ao longo do tempo demonstra a maturação da própria religião, como pode ser visto na tabela abaixo.

LinhaVertente Tradicional (Leal de Souza, c. 933) Vertente Esotérica (W.W. da Matta e Silva / Arhapiagha) Vertente da Umbanda Sagrada (Rubens Saraceni) 
ª LinhaOxalá (Paz, Pureza)Orixalá (Fé)Trono da Fé (Oxalá e Oyá-Logunan)
2ª LinhaOgum (Guerra, Lei)Ogum (Lei)Trono do Amor (Oxum e Oxumaré)
3ª LinhaOxóssi (Matas, Caça)Oxossi (Conhecimento)Trono do Conhecimento (Oxóssi e Obá)
4ª LinhaXangô (Justiça, Fogo)Xangô (Justiça)Trono da Justiça (Xangô e Oro-Iná/Egunitá)
5ª LinhaIansã (Ventos, Tempestades)Yorimá (Pretos-Velhos, Sabedoria)Trono da Lei (Ogum e Iansã)
6ª LinhaIemanjá (Mar, Geração)Yori (Crianças, Pureza)Trono da Evolução (Obaluaiê e Nanã Buruquê)
7ª LinhaLinha das Almas (Omulu)Yemanjá (Geração)Trono da Geração (Iemanjá e Omulu)

A criação de sistemas teológicos como o Setenário Sagrado representa um passo crucial no desenvolvimento intelectual da Umbanda. A religião move-se de uma tradição puramente baseada na prática e no sincretismo herdado para uma fé com uma metafísica própria e sofisticada. Este é um esforço consciente para construir uma “Teologia de Umbanda” , capaz de articular seus próprios fundamentos e dialogar em pé de igualdade com outras grandes religiões do mundo. É um sinal claro de amadurecimento, onde a fé cria sua própria linguagem filosófica para explicar e aprofundar suas práticas.

As Hierarquias Espirituais: As Linhas de Trabalho e Seus Arquétipos

O universo espiritual da Umbanda é povoado por uma vasta gama de entidades que se manifestam nos terreiros para a prática da caridade. Elas estão organizadas em “linhas de trabalho”, cada uma representando um poderoso arquétipo que ressoa com as necessidades e a jornada da alma humana.

O Triângulo de Forças da Direita: Os Pilares da Umbanda

O núcleo do trabalho espiritual umbandista é sustentado por três linhas primordiais, que simbolizam as virtudes e os estágios fundamentais da vida.

  • Caboclos: Com o arquétipo do indígena e do sertanejo, os Caboclos representam a força, a retidão, a profunda conexão com a natureza e o conhecimento das ervas sagradas. Eles encarnam a energia da ação, da coragem e da busca por objetivos. Nos trabalhos, são especialistas em limpezas energéticas profundas, quebra de magias negativas e orientações diretas e objetivas.
  • Pretos-Velhos: Incorporando o arquétipo do ancião africano escravizado, os Pretos-Velhos são a personificação da sabedoria, da paciência, da humildade e da resiliência forjada no sofrimento. São os avós amorosos do mundo espiritual. Sua principal função é a escuta paciente, o aconselhamento, a aplicação de magias ancestrais (mirongas) e a cura das dores da alma através do perdão e da resignação.
  • Crianças (Erês): Representando a pureza, a alegria, a sinceridade e a esperança, as Crianças são uma das linhas mais queridas. É importante notar que não são espíritos de crianças que morreram, mas “seres encantados da natureza” que manifestam essa energia pura e renovadora. Seu trabalho consiste em quebrar a rigidez emocional e mental, trazendo leveza, alegria e renovando as energias dos consulentes e do ambiente.

As Linhas Intermediárias e a Riqueza Cultural

Como um sistema espiritual aberto, a Umbanda acolhe continuamente novas linhas de trabalho que refletem a vasta diversidade cultural do Brasil.

  • Baianos: Com o arquétipo do povo nordestino, são entidades alegres, diretas e comunicativas, exímias em descontrair o ambiente e lidar com questões humanas de forma próxima e amigável. São considerados grandes “movimentadores de energias”.
  • Boiadeiros: Representando o peão de boiadeiro, o sertanejo, são espíritos fortes e aguerridos. Sua especialidade é “laçar” e conduzir espíritos perdidos, obsessores ou energias desordenadas, colocando ordem no campo astral.
  • Marinheiros: Com o arquétipo dos homens do mar, trabalham sob a regência de Iemanjá. Seu andar “cambaleante” simboliza o movimento das ondas e sua principal função é trabalhar o equilíbrio emocional e realizar profundas limpezas de energias densas.
  • Ciganos: Esta linha está ligada à prosperidade, ao amor, à liberdade e às artes divinatórias, como a leitura de cartas e quiromancia. Trazem a energia do movimento e da alegria para a vida material dos consulentes.

O Domínio da Esquerda: Desmistificando Exu e Pombagira

Talvez a área mais incompreendida da Umbanda, a “Esquerda” não representa o mal. Pelo contrário, são os guardiões, a “polícia de choque” do astral, que atuam na linha de frente protegendo os terreiros e os médiuns contra ataques espirituais e energias negativas.

  • Exu: Seu arquétipo é o da vitalidade, da comunicação, da ação e da execução da Lei de Causa e Efeito. Ele é o senhor dos caminhos, o mensageiro que conecta os mundos material e espiritual. É fundamental distinguir o
    Orixá Exu, a divindade primordial que rege o Vazio absoluto , dos
    Exus de Lei, que são os espíritos guardiões que trabalham na Umbanda, muitos deles para sua própria evolução. Eles lidam com a natureza humana sem hipocrisia, atuando de forma direta e pragmática.
  • Pombagira: Seu arquétipo representa o desejo, a sensualidade, a beleza e a força da mulher independente. Ela atua como uma “psicóloga” das paixões humanas, quebrando tabus, trabalhando a autoestima e auxiliando em questões de relacionamento. Longe de ser uma entidade maligna, Pombagira é uma guardiã que lida com as energias mais intensas e frequentemente reprimidas da psique humana, canalizando-as para o crescimento e o equilíbrio.

O conjunto das linhas de trabalho da Umbanda pode ser visto como um completo sistema de arquétipos que espelha a jornada da alma. O consulente encontra na força do Caboclo, na sabedoria do Preto-Velho ou na pureza da Criança um modelo espiritual para suas necessidades. A Esquerda, com Exu e Pombagira, integra a “sombra” — aqueles aspectos da psique como o desejo, a paixão e a assertividade — que são vitais para a constituição de um ser humano completo. Assim, a Umbanda oferece não apenas uma hierarquia espiritual, mas um verdadeiro mapa terapêutico para o desenvolvimento pessoal, integrando todas as facetas da experiência humana em um único caminho de evolução.

Saravá, Axé, Mojubá!

Raphael PH. Alves

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Raphael PH. Alves

Sacerdote Espiritual e de Umbanda, Escritor, Hipnólogo, Mago e Mentor de Desenvolvimento Pessoal e Espiritual, Fundador do Templo de Umbanda Sagrada Arqueiros do Flecha Dourada, Raphael PH. Alves tem dedicado os últimos 28 anos ao desenvolvimento de métodos que auxiliam as pessoas a despertarem suas virtudes como seres humanos e espirituais, para que assim possam atingir o máximo potencial de suas vidas se livrando de crenças limitantes e dogmas que os aprisionam. PH já transformou pessoalmente a vida de mais de 5 mil pessoas em palestras e cursos, alcançou mais de 4 milhões e 400 mil visualizações em seu canal no YouTube, e é autor de 3 livros: “Chakras na Umbanda”, publicado pela Madras Editora, o romance espiritual “Encantado”, publicado pela Editora Mariwô, e seu último livro “Exu: Descubra o Significado do Nome do Seu Exu”.

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